quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Velhice


“Quando não pudermos mais realizar negócios, viajar a países distantes ou dar caminhadas, poderemos ainda exercer afetos, agregar pessoas, ler bons livros, observar a humanidade que nos cerca, eventualmente lhe dar abrigo e colo.

Para isso não é necessário ter agilidade, musculatura, pele de porcelana, olhar luminoso, mas que a alma tenha crescido, com galhos, folhas, raízes, e quem queira possa se aninhar ali.

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A chegada da velhice não precisa enferrujar a alma. Sendo inevitável, ela devia ser aguardada e recebida como uma amiga há muito anunciada. E ela vem aos poucos, vem mansa. Não precisamos pedir desculpas quando ela chega, inventando para os outros que temos menos idade do que temos. Não precisamos nos desculpar nem por ainda querer alegrias e curtir atividades, nem por talvez precisar de ajuda e atendimento.

O espírito é mais importante do que rugas, manchas, andar lento, o corpo encolhido: não o espírito jovem, mas um espírito próprio de cada idade, aberto e gentil.

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Para que espírito jovem? Quem nos convenceu de que o nosso espírito de agora é pior, de que toda a experiência nada vale, as descobertas, um mundo que se abriu em tantos anos?

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Por que eu quereria ter a alma sempre jovem, e quem disse que ela é necessariamente melhor do que a minha, se tenho setenta ou oitenta anos, e não sucumbi ao mau humor e ao ressentimento?"

(Trecho do livro Múltipla Escolha de Lya Luft)