segunda-feira, 10 de março de 2008

"O homem que tem coragem de desperdiçar uma hora de seu tempo, não descobriu o valor da vida". (Charles Darwin)

Tempo de Incertezas



Tempo de Incertezas

O tempo é uma daquelas coisas que todo mundo sabe o que é, desde que ninguém peça para explicar. A gente considera o tempo uma parte da realidade, que está “lá” e aí usamos relógios para medi-lo. Verificamos as horas e exclamamos: viu! O tempo existe, sim. Aqui está!

Você já parou para pensar nisso? Não, a gente tem mais o que fazer, não faz sentido parar para tentar entender o que não precisa de explicação. Mas a gente pode pensar: tempo é o intervalo entre dois eventos e... surpresa! Não conseguimos ir além disso. Pode ser o intervalo entre 10h31 e 10h32 ou o intervalo entre 10h31min57 e 10h31min58. Não importa. Ele será explicado sempre como o intervalo entre dois pontos. Mas o que é que está ali, de fato, entre os dois eventos? O que preenche o intervalo?

O tempo parece uma coisa que flui, uma espécie de tecido fundamental onde as outras coisas acontecem. Mas nem mesmo a Física é capaz de defini-lo, porque não há nenhuma entidade mais básica a partir da qual possamos descrevê-lo. Assim como “espaço” e “massa”, trata-se de uma grandeza fundamental, a partir da qual as outras grandezas são definidas. A gente dispõe de uma noção de como o tempo opera (a partir das nossas medições), mas estamos longe de entender sua natureza - se é que o tempo tem alguma natureza.

Aí veio Einstein e sua teoria da relatividade, afirmando coisas como: “Uma hora ao lado de uma bela mulher parece um minuto, enquanto um minuto com a mão no fogo parece uma hora”. Ou seja, embora possamos medir o tempo de modo regular e objetivo, a percepção do tempo varia de acordo com as circunstâncias - o tempo percebido é relativo.

Por isso, usamos expressões como: “o tempo voa”, “o tempo parou”, “os minutos se arrastaram”, “dar um tempo”, “perder tempo”, “ganhar tempo”, “recuperar o tempo perdido” e “tempo é dinheiro”. Veja: se encararmos estas expressões a partir da experiência do tempo do relógio, elas são absurdas!

Como é possível perder tempo, de verdade? Mas o fato de elas terem sentido, de podermos compreendê-las, é verdadeiramente extraordinário - e sugere que sempre percebemos o tempo a partir de situações particulares, e, portanto, de modo singular. Então, o tempo é diferente para cada pessoa, a cada momento.

E, se a percepção do tempo é sempre variável, não existe tempo absoluto.

Sabemos que, de um modo geral, o tempo passa muito mais rapidamente quanto mais velhos somos do que quando éramos crianças. A percepção da passagem do tempo também varia com o momento histórico. Atualmente, temos a sensação de que o tempo passa bem mais rápido, escoa por entre os dedos, em comparação com a tranqüila marcha do tempo de algumas décadas atrás. Teve até cientista querendo explicar isso em função de alguma alteração na velocidade de rotação do planeta.

Tem também a hipótese de o universo ser finito mas auto-contido - não há dentro nem fora, não há limites ou contornos: um espaço-tempo curvado até fechar-se sobre si mesmo. Você pega a sua nave, decidido a deixar tudo para trás e vai viajando indefinidamente, sempre à frente até que, muitos anos-luz adiante, você chega... ao momento em que estava partindo!

Olha, não sei. Houve um tempo em que a terra era plana, sol de dia, lua à noite. Você saía de casa e o máximo que podia lhe acontecer era pisar numa bosta de cavalo. De repente, você pega sua nave espacial, vai dar um giro por aí à velocidade da luz, volta alguns anos mais tarde e descobre que todo os seus conhecidos viraram história (tipo aquele filme, “Planeta dos Macacos”). O tempo passou muito mais rápido (literalmente) para eles.

Moral da história: muito tempo se passou (o que quer que isso signifique) e o conhecimento acumulado da humanidade sofreu um formidável espetáculo de saltos quânticos. Como conseqüência, o universo, outrora pacato, razoavelmente seguro e bem localizado, se transformou em um lugar escuro, de curvaturas infinitas, dimensões sombrias e anti-coisas, e mais cheio de buracos que uma rodovia federal.

Por outro lado, não fosse a mecânica quântica - e a inevitável representação da realidade correspondente, eu não seria capaz de escrever este texto no Word, postá-lo em um site da internet e atingir você, bom(a) leitor(a), que certamente não estaria aí, em um ponto qualquer do espaço-tempo, finalizando sua leitura. Botando na balança, não sei o que é melhor: ignorante e feliz ou bem informado e aflito.

Agora, de um ponto de vista mais amplo, mesmo este sofisticado conhecimento não pode ser considerado definitivo: a julgar pela história dos avanços científicos, tanto a relatividade quanto a mecânica quântica e a teoria das cordas deverão sofrer evoluções imprevisíveis. Além disso, o conhecimento, por si só, pouco pode para melhorar de fato a experiência humana. Basta observarmos que tanta tecnologia nos legou um mundo com ogivas nucleares suficientes para nos aniquilar muitas e muitas vezes.

Esta perspectiva devastadora nunca existiu antes, nos bilhões e bilhões de anos precedentes. Aliás, não havia nada em qualquer região do planeta aproximadamente tão letal. Graças à teoria da relatividade e a esta mesma mecânica quântica, a ameaça atômica está espalhada por inúmeros pontos da superfície do planeta. Enchemos a Terra de coisas que podem nos destruir - e não sabemos quando algum louco apertará o botão. Neste novo mundo de incertezas, acho que eu preferia como era antes.

(André Camargo Costa é psicanalista e mestre em psicologia)