domingo, 17 de maio de 2009

A Frase do Tempo


A Frase do Tempo

E aí o tempo cansou.

Parou.

Olhou para frente e não viu nada. E nem poderia ter visto coisa alguma, pois se o futuro não havia acontecido ainda, nada havia para se ver.

Então o Tempo pensou que nunca tinha parado antes. Nem mesmo para pensar. E concluiu que bastava ficar ali parado e tudo o mais pararia com ele.

E aí se deu conta de que era, nada mais, nada menos, do que o condutor dos acontecimentos, o desbravador do desconhecido, o senhor absoluto do depois, o escritor de cada palavra dessa imensa frase cujo final todo mundo desconhece.

Sentiu-se todo poderoso e supremo. Mas logo em seguida foi acometido por uma crise existencial sem precedentes.

Qual seria afinal, a finalidade da sua longa jornada?

Haveria um objetivo? Um prêmio? A descoberta de um mistério? Uma faixa de chegada? Ou estaria ele destinado a seguir eternamente as reticências, que sempre o conduziram, para lugar nenhum?

E pela primeira vez, desde o começo de tudo, ele teve medo do que estava por vir. Sentiu-se inseguro, o Tempo. Quis ser adivinho. Quis acreditar na sorte. Quis que não fosse com ele. Quis evitar a próxima palavra desconhecida. Quis, enfim, desistir.

Foi quando ele olhou para trás e viu o ontem.

Em seguida lá estavam o anteontem, a quarta-feira, a terça, a segunda, e abril, março, fevereiro, janeiro, 2008, e o século passado, a Idade Média, a Pré-História...

Seria mais negócio seguir adiante, sabe lá até onde e quando, ou voltar pelo caminho percorrido até o começo, seu porto?

Já se passara muito tempo e o Tempo não se lembrava mais de onde partira.
Eram tantas as lembranças que elas se misturavam em imagens soltas e desalinhadas: confusos vazios, florestas, metrópoles, festas, batalhas, maremotos, desertos, multidões.

Enquanto ele pensava, tudo ficou pendurado no ar, mas esse vácuo não durou mais que a estranheza de uns instantes, pois o Tempo resolveu dar meia volta e começou o regresso.

Estava cansado demais para seguir em direção ao ignorado. Talvez estivesse ficando velho. E quem sabe não rejuvenesceria, durante o reverso do caminho, até recuperar o frescor de outrora?

Muito lhe custava acompanhar o ritmo em que tinha vindo. Mesmo assim, foi indo. Revendo tudo se passar ao contrário.

Alguns fatos já estavam completamente esquecidos e lhe causaram tanto espanto quanto tinham causado da primeira vez que aconteceram.

Outras vezes, porém, durante a jornada, ele teve aquelas estranhas sensações de déjà vu.

Quanto mais se aproximava do início da frase, mais o Tempo ansiava em relembrar todo o pretérito e descobrir a sua origem.

Muitos séculos se passaram, de trás para frente, até que a linha do horizonte foi virando um ponto. E só quando ele chegou lá, conseguiu ler as primeiras palavras que, estranhamente, terminavam exatamente no ponto inicial:

“Era uma vez um tempo que ainda ia voltar.”

Só então o Tempo se lembrou que já tinha passado por ali incontáveis vezes, e, mais confuso do que nunca, já não sabia mais se aquilo era o início da história ou se era o seu fim.

Adriana Falcão (Estadão de 16/05/09)